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3.3.04

mote para uma reflexão sobre a questão da diferença

Outrismo ou Diferentismo: A Versão Belicizante
Um dia, Gronk, o Cro-Magnon do Norte, disse (logo depois de ter inventado a linguagem) a Bonga-Bonga, Cro-Magnon do Sul: "mim diferente tu". O que poderia ter sido o início de uma afirmação inteligente tornou-se, desde logo, razão para uma troca de marretadas porque Gronk acrescentou: "tu diferente mau, mau". Desde então enraizou-se cada vez mais, através da longa história da estupidez humana, a ideia de que as diferenças entre seres humanos são uma coisa negativa. Isso aparece espelhado em frases, muitas vezes repetidas, acerca de "diferenças inconciliáveis ou pessoas que se agrediram entre si por "não conseguirem resolver as suas diferenças". Alguns inteligentes têm procurado esporadicamente convencer os homens de que a existência de diferenças é uma coisa positiva e de que elas podem conduzir, se abordadas criativamente, a um enriquecimento mútuo e/ou a uma complementaridade de contribuições, ideias e até de bens económicos. Isto chegou a produzir investidas históricas perigosas, como algumas ocorridas no período do Renascimento do século XV. Contudo esta ideia sensaborona não vingou, justamente por ser tão sensaborona, tendo sido largamente substituída por sucessivas actualizações da formulação primitiva de Gronk. O "tu diferente mau, mau" transformou-se em "prezado embaixador, a nossa divergência de pontos de vista acerca da localização da fronteira não pode senão conduzir senão a uma declaração de guerra", em "só um palerma pode achar que o clube X jogou bem" ou outras formulações de espírito semelhante. Tudo isto assume contornos de utilidade extrema: para que a natural tendência belicizante dos estúpidos se manifeste, torna-se necessário encontrar adversários (quer se trate de adversários a eliminar fisicamente ou a vencer noutra acepção); porém, como a existência de diferenças é normalmente encarada pelos estúpidos como negativa (ou, no mínimo, algo de que devemos desconfiar), bastará encontrar alguém ou algo diferente para chegarmos a situações bélicas. Por essa razão as Sociedades Secretas Estupidológicas envidaram porfiados esforços, desde tempos imemoriais, para cultivarem não somente o separatismo em geral mas, muito em particular, o outrismo ou diferentismo. O principal passo a dar consiste em convencer as pessoas de que algo ou alguém é diferente e, de preferência, reforçar a ideia de que isso representa uma ameaça às nossas ideias, às nossas posses ou à nossa integridade física ou afectiva. Tudo o resto se segue naturalmente: nascem as rivalidades, as competitividades, as lutas verbais ou físicas, armadas dos modos mais variados que podem ir do pau à metralhadora, do discurso ao míssil intercontinental, do triciclo ao automóvel. O outrismo ou diferentismo assume então decididamente a sua forma belicizante, produzindo agressões activas ou, noutros termos, violência simples e directa.

retirado de: VITOR J. RODRIGUES, A Nova Ordem Estupidológica


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