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25.5.07

... e assim falou, do alto do cume do mundo, sobre a não existência de Deus...






Torre do Castelo de Melgaço, Kodak T-Max 100


Pela meia noite e em pleno cemitério, numa visão apavorante, o olhar estende-se até aos confins da noite cósmica esvaziada, os túmulos estão abertos, e, num universo que se abala, as sombras voláteis dos mortos estremecem, aguardando, aparentemente, a ressurreição. É então que, desde o alto, surge Cristo, uma figura eminentemente nobre e arrasada por uma dor sem nome. E, com um terrível pressentimento, "os mortos todos gritam-lhe: 'Cristo, não há Deus?' Ele respondeu: 'Não, não há Deus'". A sombra de cada morto estremeceu, e umas a seguir às outras desconjuntaram-se. E Cristo continuou, anunciando o que aconteceu no instante da sua própria morte: "Atravessei os mundos, subi até aos sois, voei com as galáxias através dos desertos do céu; e não há Deus. Desci até onde o ser estende as suas sombras, e olhei para o abismo, gritando: 'Pai, onde estás?' Mas apenas ouvi a tormenta eterna, que ninguém rege (...)" Quando, no espaço incomensurável, procurou o olhar divino, não o encontrou; apenas o cosmos infindo o fixou petrificado "com uma órbita ocular vazia e sem fundo, e a eternidade jazia sobre o caos e roía-o e ruminava-se". O coração estalou de dor, quando as crianças sepultadas no cemitério, se lançaram para Cristo perguntando: 'Jesus, não temos Pai?' E ele, debulhado em lágrimas, respondeu: "'Somos todos órfãos, eu e vós, não temos Pai'. (...) Nada imóvel, petrificado e mudo! Necessidade fria e eterna! Acaso louco e absurdo!(...) Como estamos todos tão sós na tumba ilimitada do universo! Eu estou apenas junto de mim. Ó Pai, ó Pai! Onde está o teu peito infinito, para descansar nele? Ah! Se cada eu é o seu próprio criador e pai, porque é que não há-de ser também o seu próprio anjo exterminador?"

Jean Paul, Discurso do Cristo Morto, Desde o Cume do Mundo, Sobre a Não Existência de Deus (Rede des Toten Christus vom Weltgebäude herab, dass kein Gott sei), 1796, Tradução e Adaptação de Anselmo Borges.


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