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24.10.08

Definição de Filósofo, por Umberto Eco

 "- Senhor de Saint-Savin - disse-lhe Roberto -, não temeis acabar na fogueira?
Saint-Savin ensombrou-se por um instante.
 - Quando tinha mais ou menos a vossa idade adminava o que foi para mim como um irmão mais velho. Como um filósofo antigo chamava-se Lucrécio, e era também filósofo, e para mais padre. Acabou na fogueira em Toulouse, mas antes arrancaram-lhe a língua e estrangularam-no. Assim, vedes que se nós filósofos somos rápidos de língua não é só, como dizia aquele senhor na outra noite, para nos darmos bon ton. É para tirar partido dela antes que no-la arranquem. Ou então, brincadeiras à parte, para romper com os preconceitos e descobrir a razão natural das coisas.
 - Então na verdade não acreditais em Deus?
 - Não vejo na natureza nenhum motivo para isso. Nem sou o único. Estrabão diz que os Galicianos não tinham nenhuma noção de ser superior. Quando os missionários tiveram de falar de Deus aos indígenas das Índias Ocidentais, conta-nos Acosta (que no entanto era jesuíta), tiveram de usar a palavra espanhola Dios. Não acreditareis, mas na sua língua não existia nenhum termo adequado. Se a ideia de Deus não é conhecida na natureza, deve portanto tratar-se de uma invenção humana... Mas não me olheis como se eu não tivesse sãos princípios  e não fosse um fiel servidor do meu rei. Um verdadeiro filósofo não pretende de modo algum subverter a ordem natural das coisas. Aceita-a. Só pretende cultivar os pensamentos que consolam uma alma forte. Para os outros, é uma sorte que existam papas e bispos para reter as multidões da revolta e do crime. A ordem do Estado exige uma uniformidade do comportamento, a religião é necessária ao povo e o sábio deve sacrificar parte da sua independência para que a sociedade se mantenha firme. Quanto a mim, creio que sou um homem probo: sou fiel aos amigos, não minto senão quando faço uma declaração de amor, amo o saber e, pelo que dizem, faço bons versos. Por isso as damas consideram-me galante. Queria escrever romances, que estão muito na moda, mas penso em muitos deles e não me atrevo a escrever nenhum..."

Umberto Eco - A ilha do dia Antes, Capítulo VIII, A doutrina Curiosa dos Bons Espíritos Daquele Tempo, páginas 76 e 77


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